TIA CLEIA: UMA JORNADA DE AMOR E TRABALHO
  • 27/02/2024

TIA CLEIA: UMA JORNADA DE AMOR E TRABALHO

No coração da comunidade de Itaci, em Carmo do Rio Claro, aos 29 de maio de 1943, nasceu Maria Cleia Modesto, carinhosamente conhecida por todos como “Tia Cléia”, uma pessoa de origens humildes, mas coração valoroso, que dedicou incansáveis 41 anos de trabalho à Fundação Espírita “Judas Iscariotes”.

Antes de trabalhar na FEJI, durante sua infância e juventude, a Tia Cleia enfrentou algumas dificuldades da vida rural. Durante uma boa parte de sua vida, precisou ganhar o sustento debaixo do ardor do sol, revezando-se entre lavouras de milho e colheitas de café. Também trabalhou como empregada doméstica e “pipoqueira”, percorrendo dezenas de quilômetros da cidade para tentar vender suas pipocas.

Já bastante cansada da rotina do campo, aos 40 anos de idade, Tia Cleia tomou a decisão de encontrar um emprego fixo na cidade. Ela se lembra exatamente do dia em que bateu às portas do Teatro Judas Iscariotes em busca de uma oportunidade de trabalho, ocasião em que foi recebida pelo Sr. José Eurípedes, um ex-diretor.

Na ocasião, Tia Cleia relembra ter tido uma breve conversa com o Sr. José Eurípedes, que prometera-lhe entrar em contato quando surgisse uma vaga. No entanto, poucas horas depois, recebeu em sua casa a notícia de que a vaga havia surgido. Tia Cleia, assim, começara a trabalhar no “Lar de Ofélia” já no dia seguinte.

A partir daquele momento a vida da Tia Cleia ganharia não apenas uma nova direção, mas um novo sentido, como ela mesmo descreve. Suas memórias, completamente preservadas, relembram que o Presidente da FEJI à época era o Sr. Agenor Santiago, que havia acabado de suceder o Sr. José Russo.

Sua história se entrecruzou com a de Vicente Richinho, Agenor Santiago, Felipe Salomão, Nelson Martiniano, dentre outros Diretores que ela se recorda.

Dos colaboradores, Benedito e Dalila foram os que ela mencionou com maior entusiasmo. Para quem não sabe, ambos foram um casal que construiu uma bela história na Fundação Espírita “Allan Kardec”.

Segundo Tia Cleia: “o Benedito trabalhava no jardim do Allan Kardec. Aqui [no Lar de Ofélia] ele trabalhou, dava banho, trocava, ajudava na faxina, levava as roupas na lavanderia. A Dalila trabalhou de coordenadora aqui. Só fazia coisa boa, acompanhava os médicos”.

Determinados moradores também marcaram a trajetória da Tia Cleia. Ela se recorda com bastante carinho de alguns que tanto colaboraram para o Lar, como a “Tia Alice Alves”, o Sr. Abílio, a Graça (que ainda reside no Lar), o João Estevão da Silva, o Antônio da chácara, a Vitória, a Neuza e a Cidinha de Almeida. Para cada um citado, A Tia Cleia resguarda diversas e diversas histórias.

Qualquer pessoa que já teve o privilégio de uma boa prosa com a Tia Cléia sabe que ela adora relembrar os “velhos tempos” da instituição. Tempos marcados pela simplicidade e escassez de recursos disponíveis para cuidar de pessoas. Segundo ela, era “só mato!”, literalmente...

O trabalho era executado de maneira totalmente diferente de como é hoje. Segundo ela: “as camas eram forradas com cobertores, que só eram trocados quando estavam molhados”; “o carrinho que recolhia as roupas de cama, de banho e dos idosos era uma geladeira quebrada, de ponta-cabeça, que um idoso tinha adaptado”. Não era sempre que tinha carne. E quando elas vinham, era a peça inteira, sendo necessário cortá-las. Chegavam caminhonetes de batatas e abóboras. Os idosos quase não saíam do Lar, não haviam muitas festividades, passeios, nem comemoração de aniversário.

Nos primeiros anos, Tia Cleia trabalhava na função de cuidadora dos idosos, algo totalmente inédito, até então, mas que ela rapidamente aprendeu a rotina e os procedimentos, empregando-os com dedicação e carinho, características estas que rapidamente se tornaram sua assinatura perante a instituição e suas sucessivas Diretorias.

Com o passar das décadas, Tia Cléia trabalhou nos diferentes setores do Lar de Ofélia. De cuidadora, passou pela lavanderia e encerrou sua jornada na cozinha, representando uma testemunha viva da notável transformação pela qual a FEJI passou, tanto nas inovações relacionadas ao cuidado dos idosos, como na ampliação e modernização do prédio como um todo.

E ela faz questão de destacar como as perspectivas avançaram nos últimos tempos, afinal, as camas antes forradas com cobertores trocados apenas em condições extremas, agora contam com lençóis limpos e confortáveis. O "carrinho" improvisado de uma geladeira quebrada deu lugar a equipamentos adequados para a coleta e higienização das roupas. Para ela, tais mudanças simbolizam não apenas a evolução das práticas de cuidado, mas também o respeito e a dignidade conferidos a cada indivíduo atendido pela FEJI.

E a Tia Cleia se orgulha em destacar os avanços da FEJI, especial por saber que tem a sua parcela de contribuição para tais mudanças. Ela, que sempre colocou as necessidades dos idosos em primeiro lugar, tinha-os como sua segunda família.

Suas histórias, repletas de sabedoria e humanidade, inspiram a todos que têm a oportunidade de escutá-las, sobretudo pela capacidade de provocar reflexões acerca da importância dos laços humanitários que tecemos ao longo de nossa jornada.

A bem da verdade, a Tia Cléia representa uma espécie de “ponte viva” entre o passado e o presente, ilustrando como a compaixão e a dedicação permanecem constantes, mesmo em meio a tantas transformações no campo das políticas públicas.

Passados 41 anos de dedicação à instituição, Tia Cleia aposentou-se aos 81 de idade. Embora este seja um marco esperado na jornada de um trabalhador, sabemos que ele carrega consigo um mosaico de sentimentos, por vezes, contraditórios. No caso da Tia Cleia, há alguns anos, percebia-se que sua mentalidade e seu coração não queriam se afastar da FEJI. Mas seu corpo, especialmente suas pernas, já enfrentavam certa dificuldade para conduzi-la ao ponto de ônibus e do ponto ao Lar de Ofélia.

Para a instituição, sua recente aposentadoria assinala um valoroso capítulo de muita dedicação ao próximo e laços humanitários tecidos ao longo de sua jornada profissional. Laços que enriquecem ainda mais o acervo das contribuições e memórias da instituição que a Tia Cléia serviu com tanto amor.

Ao ser indagada sobre como seu coração se sentia nestes últimos dias, longe da rotina que por tantos anos definiu sua existência, Tia Cléia foi tomada por uma emoção profunda. As lágrimas, sinceras e espontâneas, rolaram no mesmo momento da pergunta, revelando o tamanho da falta que o Lar de Ofélia está fazendo em sua vida.

A rotina no “Lar”, embora fosse repleta de desafios, era também fonte de alegrias imensuráveis para Tia Cléia, que durante quatro décadas alegrou-se por saber que estava fazendo a diferença na vida de várias pessoas, fosse pelo seu sorriso, pelas palavras de conforto ou pelos gestos de cuidado.

Os colaboradores da FEJI, companheiros de jornada, tornaram-se mais do que meros colegas de trabalho. Eram cúmplices em uma missão maior, aliados nos dias difíceis e coautores de inúmeras histórias de compaixão e solidariedade. A ausência dessa comunidade diária certamente está deixando saudades, para ambos os lados.

A grandeza de sua atuação já havia sido reconhecida pela instituição em diversos momentos. Em um deles, quando houve a inauguração da Residência Inclusiva III, carinhosamente alcunhada como “Maria Cleia Modesto”, uma singela forma de reconhecimento de um grande legado de dedicação, amor e humanidade.

A jornada de Tia Cléia é um dos raros exemplos da beleza que adorna o ato de servir, isto é, da nobreza em dedicar a vida ao bem-estar do próximo. Sua história é um convite à reflexão sobre os valores que guiam nossas vidas, assim como o impacto que podemos produzir no mundo ao nosso redor.

A aposentadoria de Tia Cléia encerra um ciclo de dedicação, mas seu legado, tecido com fios de compaixão e empatia, permanecerá vivo, inspirando aqueles que tiveram o privilégio de conhecê-la e muitos outros que, através de relatos como este, sentirão o calor de sua luz.

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